*Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá
A nova redação dos textos legais atinentes à área contábil, relativamente às sociedades por ações, introduzida pela Lei 11.638/07 tem imperfeições técnicas, como, dentre outras, por exemplo, a que tange a modificação do artigo 179 da Lei 6404/76, item IV.
Trata-se de defeito conceitual que implica equivoco e gera controvérsia.
Sendo os conceitos os que representam idéias e concedem atributos aos fatos e coisas, exigível se torna a clareza, fazendo com que sejam inequívocos.
Quando as expressões conceptuais desviam-se da lógica perdem a força de razão, segundo se infere das lições de Jacques Maritain (em sua obra Elementos de Filosofia - A ordem dos conceitos, 13ª. edição Agir, Rio de Janeiro, 1994, página 17); em ciência, além disso, a aplicação da lógica é essencial o que muito responsabiliza o “conceito”.
Na questão do ativo imobilizado, entre o que se tem consagrado em Contabilidade e o texto da lei referida existe relevante equívoco.
Assim, a Lei 11.638/07 modificando o artigo 179 da já mal posta contabilmente Lei 6404/76, piora o texto originário para a seguinte redação no tocante a classificação do grupo de contas do Imobilizado:
IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens;
Admitir tal grupo como o que encerra bens materiais que se destinam a manter a empresa em atividade é sem dúvida um exagero em matéria conceptual patrimonial.
Cientificamente em Contabilidade, ou seja, face à “realidade objetiva patrimonial” o ativo imobilizado não é o que define a lei.
Notória é a impropriedade conceptual, agravada com o complemento modificativo: “inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens”.
O objetivo, infere-se, nesse “acréscimo reformador”, parece ter sido o de ensejar a inserção do arrendamento mercantil, posto que a referida lei foi feita no sentido de dar cobertura a uma alegada “convergência”; isso por que é dessa forma referida que as normas ditas internacionais inadequadamente estabelecem.
A expressão “benefícios”, tomada como conceito é demasiadamente ampla e se o objeto é a manutenção de atividade se pode inferir seja o de “utilidade” e até “lucro” (se for adotada a expressão como nesse sentido a empregam alguns autores).
A amplitude de extensão que por “manutenção de atividade” é permitida, praticamente, a tudo pode alcançar na vida de uma empresa; a lei é,pois, deficiente em redação técnica contábil, embora esteja a fixar parâmetros.
A “atividade” de um empreendimento se mantém não apenas através de um grupo de elementos patrimoniais como o imobilizado, mas, com todos os que formam o conjunto que permite as operações (dinheiro, matérias primas, ingredientes, matérias de consumo, produtos, mercadorias, máquinas, veículos etc.).
O conceito doutrinário, científico, de “imobilizado”, desde a origem da introdução do mesmo, não é o que a lei oferece; ativo imobilizado é o grupo de contas que se destina a evidenciar o valor dos bens utilizados nas operações e que não se destinam a serem vendidos ou negociados; esse o conceito consagrado pelos cientistas da Contabilidade e difundido pelo maior léxico especializado da comunidade européia, elaborado há décadas por eminentes autoridades intelectuais profissionais (Lexique UEC, 2ª. edição, IdW Verlag, Dusseldorf 1974, página 18).
A classificação desse ativo como o de “uso” e não de “venda”, como de aplicação especifica na produção e não de forma genérica, é inquestionável e também há mais de meio século era oferecida no mais consagrado dicionário de Contabilidade dos Estados Unidos (KOHLER, Eric L. – A Dictionary for Accountants, 3ª. edição Prentice Hall, New York, 1953 página 179).
A generalidade do texto da Lei 11.638/07 conflita-se com a lógica contábil; além disso ainda faz legal tudo o que se referir a operações que “transfiram” a empresa “benefícios”, “riscos” e “controle” sobre “bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade” (e benefício, no caso, pode até não ser o de uso, mas, o de venda, também; controle, igualmente é conceito de larga amplitude no caso).
Nesse caso, a seguir-se a letra da lei (e parte-se sempre do princípio que esta não tem palavras inúteis), um simples contrato de aluguel de uma loja, esta que é um bem corpóreo necessário a manutenção da atividade, como transfere “benefício” e “controle”, poderia ser classificado como “Imobilizado”.
A seguir-se rigorosamente o texto da lei 11.638/07 muitos balanços passariam a ser inflados com o “patrimônio de terceiros”, ou seja, ensejando similar “engenharia de contas” que sustentou os “derivativos”, esses que foram veículos no grande calote internacional que resultou na crise financeira recente.
Como no artigo 183 da lei referida consta no atinente a avaliação, que: “V - os direitos classificados no imobilizado, (avaliam-se) pelo custo de aquisição, deduzido do saldo da respectiva conta de depreciação, amortização ou exaustão”, amplia-se a confusão.
Se o artigo 179 determina que o Imobilizado possa ser o “não comprado”, se a avaliação só considera o comprado (artigo 183), se as depreciações, amortizações e exaustões são efeitos de uso de bens adquiridos (artigo 183) e como a concessão legal é ampliada aos não adquiridos (artigo 179), em sentido figurado, não há dúvida, uma “torre de Babel” se consente admitir exista.
*Autor: Antônio Lopes de Sá
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Doutor em Letras, honoris causa, pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999 Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de 176 livros e mais de 13.000 artigos editados internacionalmente.