*Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá
A grave conseqüência do “subjetivismo” no processo ensejado pelas normas ditas internacionais de Contabilidade o tempo continuará a refletir em efeitos perversos; iremos senti-los agora com maior proximidade no Brasil; os contadores que deveras se preocupam com a dignidade profissional, todavia, certamente muito terão preocupações a alimentar.
Estão escancaradas as portas para as vantagens que continuarão a levar os especuladores, dentre estes alguns “executivos” de grandes companhias, para a consecução de vantagens bilionárias de natureza fraudulenta, escondendo a realidade objetiva através da aplicação do subjetivismo na manipulação de “demonstrativos” e “fluxos” contábeis fantasiosos (pejorativamente denominados de “criativos”).
O quanto de risco existe nas referidas informações elaboradas dolosamente o mercado já bem experimentou através de sucessivas crises, mas, o processo prosseguirá em marcha enquanto o problema não for tratado com a seriedade requerida.
Só se destroem plantas daninhas extraindo-lhes as raízes.
O que representou a imagem fantasiosa de lucros futuros, de “valor de mercado”, que alicerçaram os grandes calotes, milhões de pessoas sabem, pelo que sofreram em prejuízos, enquanto minorias embolsaram bilhões de dólares na especulação.
O dito “valor justo”, hoje consagrado em nosso País pelo poder público através de leis e medidas provisórias, tem sido parte influente na maquiagem de balanços de empresas, ensejando esconder perdas e por um passe de mágica as transformar em expressivos lucros.
Assim, por exemplo, a empresas como as do faraônico complexo estadunidense da ENRON, bastou uma trama baseada em manipular o mercado e maquinar demonstrações contábeis para que enganasse a todo um povo.
Usou de estratégia de grandeza, mas, apoiou-se em estratagemas “normativos”.
Isso porque “Lucros futuros” virtuais, dívidas que somem passando a empresas associadas que não evidenciam suas contas, “ativos de terceiros” considerados como próprios, publicidade intensa de uma prosperidade inexistente, todo esse sistema de mentiras apresentado como verdade, agasalhado em normas contábeis, quando inspirado no subjetivismo, encobre facilmente grandes escândalos financeiros.
Deturpando conceitos inspirados na realidade objetiva, criando outros de impacto formal, mas, de intenções essenciais facciosas, é possível maquiar demonstrações.
Intensa propaganda dá vestes de verdade à mentira; há uma vocação imensa em crer nas aparências, sem preocupação de investigar causas e essências.
Todavia, as atribuições de valores fundamentadas em instrumentos de medição manipuláveis só podem gerar como efeito “manipulações”.
É da natureza do enganoso produzir o engano.
A quem ainda bem não compreendeu a cilada que se pode esconder sob o manto normativo do “Valor Justo”, de manipulações de elementos do Ativo, sugerível é que leia o grande sucesso editorial “ENRON – Os mais espertos da sala” ou veja o filme documentário (dirigido por Alex Gibney, distribuição da Paris Filmes), indicado para o Oscar, sob o mesmo título.
Para manobrar mercados a ENRON simulou “apagões” de energia, “provocou grandes incêndios em matas”, influiu sobre os políticos para obter “liberações de preços”, investiu em ampla publicidade para mostrar uma prosperidade que de fato não tinha, em suma, segundo o documentário referido, “produziu preço de mercado fantasioso”.
Fabricada a inflação do lucro e da solidez, logo produzido um “valor de mercado” ficou justificado o “Valor Justo”, este que se consagrou nas ditas “Normas Internacionais de Contabilidade” e que hoje o poder público de nossa nação adotou em textos legais.
Volto a frisar que toda a trama, no ENRON, foi favorecida pela consagração de manobras contábeis de “valor de mercado”, ou seja, de um dito “Valor Justo”, como mostra o documentário.
O que Nepomuceno denominou de “tríplice aliança” (especuladores, entidades de classe e auditores transnacionais) esteve presente não só no caso referido, mas, em dezenas de outros mais, denunciados desde a década de 70 por professores universitários de todo o mundo e pelo senado dos Estados Unidos.
A culpa da perversidade, da fraude, entretanto, não foi e nem será nunca da Contabilidade, mas, dos que se utilizaram e ainda se utilizam dela para fins ilícitos, assim como nunca será culpa da Medicina a prática do aborto, nem do Direito a litigância de má fé.
Que não se tome, pois, as normas ditas internacionais como uma nova Contabilidade, nem como algo superior nesta disciplina, mas, sim, como uma espada de Dâmocles sobre a cabeça de quem necessita analisar empresas para nelas depositar confiança ou estimular que terceiros nelas venham a confiar.
*Autor: Antônio Lopes de Sá
www.lopesdesa.com.br
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Doutor em Letras, honoris causa, pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999 Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de 176 livros e mais de 13.000 artigos editados internacionalmente.