Daniel Prochalski*
Em 28/12/2007 foi publicada a Lei nº 11.638, que alterou e revogou dispositivos da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), e da Lei nº 6.385/76 (Lei de Mercado de Valores Mobiliários), entrando em vigor em 01/01/2008. Em especial, a nova lei alterou dispositivos que tratam das demonstrações financeiras das companhias. Nos termos da respectiva Exposição de Motivos (Mensagem nº 1.657, de 07/11/2000), a Lei nº 11.638/07 teve “por finalidade modernizar e harmonizar as disposições da lei societária em vigor com os princípios fundamentais e melhores práticas contábeis internacionais”.
Como é fácil notar, o período que medeia a exposição de motivos até a data da publicação desta nova lei coincide com o arriscado e altamente questionável namoro que o mundo capitalista (aí também incluído o Brasil) manteve com as “bolhas” criadas no mercado de capitais. Com a propaganda da imperiosa necessidade de adequar e viabilizar os demonstrativos financeiros dos players da bolsa de valores às normas contábeis (ditas) internacionais, este verdadeiro “canto da sereia” na verdade “empurrou goela abaixo” do povo brasileiro a armadilha do subjetivismo na avaliação do patrimônio das grandes empresas.
Com efeito, os mais sólidos e tradicionais princípios de contabilidade, que primam por critérios objetivos na avaliação do valor das empresas – os quais obviamente impedem ou dificultam avaliações não só irreais como também surreais nos valores das ações – cederam espaço para a possibilidade de se atribuir o subjetivismo do “valor de mercado”, especialmente a ativos financeiros (onde se situam os malsinados derivativos). Esta é a conclusão que se chega após simples leitura da nova redação dada ao art. 183 da Lei das S/A.
Ao leitor e/ou investidor que não está habituado a este tipo de informação técnica, explica-se: no momento da análise financeira e patrimonial dos demonstrativos contábeis de uma empresa, para fins de decisão em aplicar ou não em suas ações, saibam que os valores encontrados nos respectivos balanços podem estar “inchados”, resultado de casuísmos e “achismos” encobertados pela aplicação do “valor de mercado”. Um exemplo bem ilustra o perigo disso: os créditos “podres” das hipotecas imobiliárias que inchavam os balanços dos bancos americanos (os famosos sub-primes) certamente estavam avaliados dessa forma.
Conforme se verifica das centenas de artigos publicados na internet, a comunidade jurídica e contábil está mais preocupada com a neutralidade fiscal da Lei 11.638, em que pese a nova redação dada ao § 7º do art. 177 da Lei das S/A, pela qual os ajustes contábeis necessários “não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários”. Esta inquietação, no entanto, já foi afastada com a edição da MP 449, de 03/12/2008, a qual em seu art. 15 instituiu o chamado “Regime Tributário de Transição – RTT” para os novos métodos contábeis, afirmando que este regime busca a neutralidade tributária.
Como sou advogado e não contador, procuro aprimorar minhas conclusões sobre este tema (que obviamente é ao mesmo tempo jurídico e contábil) com profissionais de notória qualificação científica. Neste sentido, é preciso dar o devido crédito desse artigo às advertências que têm sido feitas há muito tempo pelo ilustre professor Antonio Lopes de Sá, um dos maiores expoentes da contabilidade brasileira, conforme se verifica em vários de seus artigos publicados em seu sítio na internet www.lopesdesa.com.br (em especial recomendo a leitura do excelente artigo “Efeitos perversos das Normas Contábeis”).
Em que pese a inegável importância do aspecto tributário para as empresas sujeitas à nova lei, é hora de atentar para uma devida análise desta nova lei sob o prisma do investidor, haja vista que até mesmo o próprio governo federal há tempos vem incentivando o cidadão comum a investir na bolsa de valores (como exemplo visitem o sítio www.portaldoinvestidor.gov.br).
No entanto, o mínimo que se pode esperar de um Estado de Direito que se diz social-democrático é que seja criado um marco regulatório contábil pelo qual sejam seguras e transparentes as informações financeiras e patrimoniais das empresas que captam recursos dos cidadãos. Para tanto, me parece ser incompatível com essa premissa a possibilidade de se atribuir o subjetivismo do valor de mercado a certos ativos financeiros.
E por último, a legislação brasileira não deveria ceder aos falsos encantos do estímulo ao capitalismo especulativo. Antes, é preciso que governo e setor privado entabulem uma volta ao único fundamento legítimo de qualquer economia de mercado: o empreendedorismo.
* Daniel Prochalski
Advogado sócio da João Paulo Nascimento & Associados - Advogados e Consultores. Especialista em Direito Tributário pela PUC-PR. Mestre em Direito Empresarial e Econômico pelo Centro Universitário Curitiba. Professor de Direito Tributário no CESCAGE - Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais