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Atitudes obscenas na vida privada podem resultar em demissão por justa causa?

Ainda que ocorram fora do ambiente da empresa ou até em períodos de férias, é preciso se cuidar para que comportamentos imorais não reverberem no contrato de trabalho

Mais do que os jogos em si, um dos assuntos mais comentados durante a Copa do Mundo de 2018 tem sido um vídeo, que circula desde a última semana, em que brasileiros constrangem uma jovem russa nas ruas de Moscou. Sob a alegação de “brincadeira”, os torcedores fazem referências à cor do órgão genital da moça que, obviamente, não entende uma palavra do que é dito.

Na internet, o ocorrido foi rechaçado por muitos usuários, que dizem sentir vergonha das cenas. Um comportamento como esse, sem dúvida, é imoral e afeta negativamente a imagem de quem o comete. Será, contudo, que atitudes tomadas no âmbito da vida privada, mas que acabam se tornando públicas, podem ter consequências legais, como resultar na demissão por justa causa dos envolvidos? A questão é complicada de se analisar.

É o artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que traz as possibilidades de justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador. Segundo Mariana Machado Pedroso, especialista em Direito e Processo do Trabalho no Chenut Oliveira Santiago Sociedade Advogados, a hipótese de incontinência de conduta ou mau procedimento, trazida pelo dispositivo legal, poderia ser encaixada num caso como o do vídeo.

O mesmo entendimento tem Pamela Ruiz, do Fincatti Santoro Sociedade de Advogados, que aponta que a incontinência de conduta, nesse caso específico, está relacionada “à conduta de cunho sexual, de obscenidade, desregrada, inadequada, incompatível com aquela que se espera de um cidadão em seu convívio social”.

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O problema é que a situação ocorreu fora do ambiente profissional, provavelmente num momento em que o contrato de trabalho se encontrava suspenso, como as férias. Em períodos assim, as obrigações principais da relação trabalhista não precisam ser executadas.

Advogado trabalhista, André Brandalise explica que a atitude, ainda que num ambiente privado, precisa ter relação com o trabalho do indivíduo para que seja aplicada a justa causa. Uma publicação nas redes sociais com ofensas à empresa, por exemplo, justificaria a dispensa do funcionário. Se a jovem do vídeo na Rússia fosse colega de trabalho dos homens, também poderia haver a demissão.

“Ainda que seja deplorável a atitude dos rapazes, que merecem todas as censuras possíveis pelo o que fizeram, penso que não seria o caso de aplicação de justa causa, mesmo com toda a repercussão”, aponta.

Mariana alerta, entretanto, que, como tudo no Direito, a matéria precisa ser analisada com muita cautela. Na opinião da advogada, o crucial é verificar se o ocorrido trouxe ou não prejuízos para o empregador. Também é importante observar se a atitude do empregado, ainda que tomada no âmbito privado, vai contra a função social, valores e missão pregados pela empresa.

“Vamos supor que alguma dessas pessoas seja ‘a cara’ da empresa onde trabalha, que ela seja facilmente relacionada ao empregador. O patrão pode se sentir atingido por essa prática, principalmente se ela viralizar. Se o empregador vier a sofrer algum tipo de prejuízo, direta ou indiretamente, por conta disso, acredito que seria possível sustentar a justa causa”, opina.

Pamela lembra que, além de afetar a honra, imagem e boa-fama da empresa, esse tipo de conduta também prejudica convívio com os colegas no ambiente de trabalho, que pode se tornar insustentável com a presença do infrator.

Prisão do funcionário

A única hipótese de justa causa trazida pela CLT que claramente nada precisa ter a ver com o trabalho é o de condenação criminal. É preciso, entretanto, que a condenação tenha transitado em julgado para que o funcionário seja dispensado por justa causa.

Brandalise lembra do caso do goleiro Bruno, ex-atleta do Flamengo condenado por ser o mandante do assassinato da ex-namorada. Preso em fase de inquérito policial e, posteriormente, condenado em primeira instância, ele não poderia ser dispensado por justa causa pelo clube carioca. Ambos acabaram chegando a um acordo.

Funcionários públicos

Já no caso de funcionários públicos, lembra Brandalise, que não têm o contrato de trabalho regido pela CLT, é preciso analisar o estatuto próprio da categoria a fim de saber quais são as hipóteses de rescisão.

A Polícia Militar de Santa Catarina identificou um de seus policiais no vídeo gravado em Moscou. De acordo com a corporação, o tenente Eduardo Nunes, que serve em Lages (SC) e está de férias, é um dos homens que aparecem ao lado da estrangeira, compelindo-a a falar as palavras "b*ceta rosa".

A PM disse não concordar com a atitude. A corporação informou que, assim que o rapaz voltar ao Brasil, abrirá um processo administrativo disciplinar sobre o militar.

‘A corporação não corrobora com este tipo de atitude que é incompatível com a profissão e o decoro da classe, previsto no Regulamento Disciplinar e no Estatuto da PMSC, independentemente de estar em período de férias, folga de serviço ou qualquer outra situação de afastamento, devendo portanto, responder por suas atitudes’, traz nota divulgada pela instituição.

Diplomacia

Pelo fato de os brasileiros terem gravado o vídeo de assédio na Rússia, poderia haver algum incidente diplomático? Em Moscou, os diplomatas da embaixada brasileira relatam terem recebido e-mails criticando os autores do vídeo em questão, enquanto nas redes sociais circulam pedidos que aqueles homens sejam punidos e expulsos da Rússia.

Essa ação, no entanto, dependeria de uma queixa formal da vítima, que não foi registrada. Também, de acordo com a embaixada brasileira em Moscou, não houve contato do governo russo com o Itamaraty sobre esse episódio.

Na Rússia, não há lei que criminalize o assédio sexual, em especial no ambiente de trabalho. Nos últimos meses, às vésperas da Copa e depois de um episódio envolvendo um político acusado de assediar jornalistas, a parlamentar Oksana Pushkina vem pressionando para criar essa legislação, mas nada saiu do papel.

Conheça a lei

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e) desídia no desempenho das respectivas funções;

f) embriaguez habitual ou em serviço;

g) violação de segredo da empresa;

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

i) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l) prática constante de jogos de azar.

m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.

Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.

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